terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ler, ler, ler, ler

Venho pensando, trabalhando, degustando, repensando, me questionando e tantas outras coisas sobre a importância da leitura na vida das pessoas. Desde pequena devoro livros, confesso que nos últimos tempos bem menos do que deveria, com uma paixão que nunca se cansa de existir. Não posso entrar em livrarias. Tenho quase que um tique nervoso de ler trechinhos aqui e acolá.

Minha atenção aos livros aumentou e muito depois que comecei a trabalhar com o Instituto Ecofuturo, que além de me proporcionar algumas boas horas de risadas em reuniões nas quais as idéias nascem a cada milésimo de segundo e os e-mails se multiplicam em minha caixa de entrada quase que de uma maneira viral, tem me pegado pela mão e me apresentado milhares de coisas desse mundo da leitura que antes, confesso, eu não prestava tanta atenção. E, pronto, tenho amado cada vez mais este tema.

Ontem, tive o imenso prazer de estar presente na abertura do 3º Corredor Literário de São Paulo, em uma homenagem ao bibliográfo, imortal e tantas outras milhares de coisas boas, José Mindlin. Apesar das discrepâncias de uns, que não podem ver um microfone em um espaço público para dar início ao show de horror de nosso vago discurso político, a homenagem foi linda. José Mindlin e sua fantástica gravata com desenho de prateleiras de livros, aos 92 anos, emocionante lucidez e bom humor, é uma das figuras mais importantes da luta pela educação de qualidade no país.

Teria mais um milhão de coisas para dizer hoje por aqui, mas o tempo é curto e o turbilhão de idéias que se formam em minha cabeça não me permitem organizar muito bem um discurso que não seja confuso, nem muito menos vago. Precisava apenas colocar para fora um pouquinho do carinho e motivação que trabalhar com o tema Leitura, e Escrita, tem me causado.

Ontem também, Lima Duarte fez uma Leitura Dramática por lá de Guimarães Rosa e de Drumonnd, o que me provocou arrepios deliciosos. E deixo aqui um dos textos lidos majestosamente por ele:


BIBLIOTECA VERDE

Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.
São só 24 volumes encadernados em percalina verde.
Meu filho, é livro demais para uma criança.
Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.
Quando crescer eu compro. Agora não.
Papai, me compra agora. É em percalina verde, só 24 volumes.
Compra, compra, compra.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.

Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com um arranhão recuso, já sabe: quero devolução de meu dinheiro.
Está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro, fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga vai levando tamanho universo.
Chega cheirando a papel novo, matade pinheiros toda verde.

Sou o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja de mim mesmo)
Ninguém mais aqui possui a coleção das Obras Célebres.
Tenho de ler tudo.
Antes de ler, que bom passa a mão no som da percalina,
esse cristal de fluida transparência: verde, verde.
Amanhã começo a ler. Agora não.

Agora quero ver figuras. Todas.
Templo de Tebas. Osíris, Medusa, Apolo nu, Vênus nua...
Nossa Senhora, tem disso nos livros?
Depressa, as letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa: Não dorme este menino.

O irmão reclama: Apaga a luz, cretino!
Esparmacete cai na cama, queima perna, o sono.
Olha que eu tomo e rasgo essa Biblioteca antes que pegue fogo na casa.
Vai dormir, menino, antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.
Dorme, filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.

Mas leio, leio.
Em filosofias tropeço e caio,
cavalgo de novo meu verde livro,
em cavalarias me perco, medievo;
em contos, poemas me vejo viver.
Como te devoro, verde pastagem.
Ou antes carruagemde fugir de mim e
me trazer de volta à casa a qualquer hora
num fechar de páginas?

Tudo que sei é ela que me ensina.
O que saberei, o que não saberei nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente....

Carlos Drummond de Andrade

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